Como vimos anteriormente, o currículo integrado é parte de um todo na busca pela formação integral. Para uma melhor compreensão desse currículo precisamos entender de onde partimos e quais são os aspectos que devemos integrar.
Partindo da busca pela formação integral, o ensino médio integrado por si só não configura um currículo integrado, principalmente se este se faz por meio de uma matriz curricular com disciplinas isoladas, segmentadas e sem relação entre si. A mera sobreposição de disciplinas do núcleo básico, ou seja, aquelas da formação geral com as disciplinas do núcleo técnico também não configuram integração.
O currículo integrado tem o trabalho e a pesquisa como princípios, busca superar a fragmentação do conhecimento, preza pela flexibilização, pela interdisciplinaridade, pela problematização dos fenômenos e pela integração das dimensões do trabalho, ciência e cultura.
Assim como Araújo e Frigotto (2015), acreditamos que a construção de um currículo integrado, requer mais do que práticas pedagógicas integradoras e a vontade docente, mas também e principalmente de movimentos ético-políticos nas mais diversas esferas. Entretanto, partimos da práxis para disseminar o conhecimento sobre a importância dessa articulação no desenho de currículos que sejam efetivamente integradores em sua essência e assim promover um movimento para transformação da realidade.
TRABALHO E PESQUISA COMO PRINCÍPIOS
Trabalho e educação são dimensões humanas essenciais. O trabalho, em seu sentido ontológico, permite ao homem aprender e produzir sua existência. No sentido econômico, garante a satisfação de suas necessidades. Considerar o trabalho como princípio educativo no currículo visa unir o trabalho produtivo à dimensão intelectual, superando a separação entre trabalho manual e intelectual. Esses dois sentidos, se concretizam no currículo a partir de:
“situações e ações de aprendizagem que permitam vivenciar o sentido do trabalho enquanto constitutivo do ser humano e questionar um determinado modo de produção como base da existência material, da cultura e da organização de uma dada sociedade”
De modo semelhante, considerar a pesquisa como princípio pedagógico, é compreendê-la como instrumento de transformação da realidade, reunindo o conhecimento gerado ao longo da história para agir sobre questões que precisam ser resolvidas. É através dela que ciência e tecnologia se unem para gerar novos conhecimentos, produtos e serviços que reverberam na sociedade.
É crucial que a pesquisa, como princípio pedagógico, se faça presente no currículo como meio de alcançar os estudantes e futuros trabalhadores. O Parecer CNE/CEB nº 11/2012, traz uma importante consideração sobre a relação da pesquisa com o desenvolvimento de projetos contextualizados e interdisciplinares e seu papel transformador na sociedade:
[...] a prática de pesquisa propicia o desenvolvimento da atitude científica, o que significa contribuir, entre outros aspectos, para o desenvolvimento de condições de, ao longo da vida, interpretar, analisar, criticar, refletir, rejeitar ideias fechadas, aprender, buscar soluções e propor alternativas, potencializadas pela investigação e pela responsabilidade ética assumida diante das questões políticas, sociais, culturais e econômicas. A pesquisa, associada ao desenvolvimento de projetos contextualizados e interdisciplinares/articuladores de saberes, ganha maior significado para os estudantes. Se a pesquisa e os projetos objetivarem, também, conhecimentos para atuação na comunidade, terão maior relevância, além de seu forte sentido ético-social (MEC/CNE/CEB, 2012, p. 17-18).
Assim, a pesquisa é um modo de trabalhar conteúdos em sala de aula, mas pode tornar-se ainda mais relevante pelos procedimentos que são negociados durante sua condução e pela possibilidade de debate e intervenção no contexto local.
“a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo”
CONTEXTUALIZAÇÃO
A contextualização como recurso no currículo integrado, envolve a relação entre sujeito e objeto no processo de construção do conhecimento, reconhecendo que a aprendizagem se torna mais significativa quando relacionada a contextos reais e cotidianos. Isso implica que os conteúdos curriculares devem ser escolhidos e organizados de modo a refletir e responder às condições concretas e às necessidades da sociedade em que os estudantes estão inseridos.
“a realidade social se constituiria como ponto de partida para os currículos integrados e a realidade social transformada como ponto de chegada”
Pistrak apud Araújo e Frigotto, 2015, p. 69
Os conteúdos são, portanto, contextualizados pelas finalidades educativas a serem alcançadas, em vez de serem guiados pelo imediatismo ou necessidades práticas de um contexto neutro. Essa abordagem é intrinsecamente política, envolvendo escolhas que vão além de critérios puramente técnicos.
INTERDISCIPLINARIDADE
A abordagem interdisciplinar é crucial para a construção de um currículo integrado, especialmente no contexto da educação profissional e tecnológica. A interdisciplinaridade é um princípio que visa a máxima exploração das potencialidades de cada ciência, compreendendo seus limites e promovendo a diversidade e a criatividade (Araújo e Frigotto, 2015).
Para Frigotto (2004), a interdisciplinaridade resulta da própria produção do ser humano, que é simultaneamente sujeito e objeto do conhecimento. Portanto, não devemos fragmentar ou limitar o objeto de estudo, mas sim considerar suas múltiplas determinações. O trabalho interdisciplinar só se efetiva se ultrapassar a fragmentação e o plano fenomênico do empiricismo e do positivismo, sem cair no reducionismo estruturalista (Frigotto, 2004).
No entanto, a implementação da interdisciplinaridade vai além do simples desejo de integrá-la no currículo. É necessário reconhecer e valorizar os campos de conhecimento e as disciplinas como elementos essenciais para o avanço da ciência e da produção do conhecimento. Isso implica uma abordagem histórica e dialética, onde o processo de produção, disseminação e apropriação do conhecimento é compreendido de forma crítica e contextualizada (Chervel e Santomé apud Nessralla, 2012).
“na escola, cada ciência deve ser ensinada apenas como meio de conhecer e de transformar a realidade de acordo com os objetivos gerais da escola”
Araújo e Frigotto, 2015, p. 69
Além disso, Silva (2006) enfatiza que a interdisciplinaridade e a integração curricular estão profundamente interligadas, dependentes de uma visão de mundo que considere a relação dialética entre parte e todo. Na prática educativa, isso significa que devemos enxergar a realidade como una e indivisível, onde as disciplinas são ferramentas para compreender e analisar essa realidade complexa, propondo soluções para os problemas emergentes.
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
O compromisso com a transformação social é um dos pilares do currículo integrado, é esse compromisso que distingue as práticas pedagógicas aqui descritas daquelas alinhadas às pedagogias de cunho liberal. Araújo e Frigotto (2015) defendem que, na perspectiva marxista, “a ação pedagógica é tomada como ação material, que subordina os conteúdos formativos aos objetivos de transformação social, visando à produção, portanto, da emancipação” (p. 70). A transformação social como meta central do currículo integrado deve orientar a seleção e organização dos conteúdos e das práticas pedagógicas.
Nesta perspectiva, os conteúdos são selecionados e organizados com base em sua utilidade social, ao invés de atenderem apenas às demandas imediatas do mercado. Esse enfoque visa promover comportamentos que valorizem o ser humano de modo que ele possa entender e intervir na realidade. O objetivo é desenvolver o indivíduo em suas várias dimensões, capacitando-o para trabalhar, viver coletivamente e agir de forma autônoma, contribuindo para a construção de uma sociabilidade mais justa (Araújo e Frigotto, 2015).
PROBLEMATIZAÇÃO
Problematizar fenômenos, fatos e situações significativas e relevantes é crucial para compreender o mundo em que vivemos. Esses elementos servem como objetos de conhecimento, convidando a uma compreensão mais abrangente de uma situação problema, envolvendo perspectivas tecnológicas, econômicas, históricas, ambientais, sociais e culturais. Para abordar essas questões, é necessário recorrer a teorias e conceitos já existentes relacionados ao assunto em análise, moldando, em última instância, conteúdos de ensino (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2012).
Para aplicar a problematização no currículo integrado, é necessário adotar uma abordagem dialética que reconheça a relação entre teoria e prática como uma unidade indissolúvel. Essa perspectiva é fundamentada na ideia de que a ação pedagógica deve sempre promover a compreensão dos objetos de estudo em sua relação com a totalidade social.
“A força criativa desenvolve-se, principalmente, por meio de estratégias de problematização da realidade e dos conteúdos escolares, suscitando a busca por ferramentas, teóricas e práticas, capazes de auxiliar os indivíduos no enfrentamento de suas tarefas cotidianas e históricas”
CONSTRUÇÃO COLETIVA E PARTICIPATIVA
A construção do currículo integrado deve ser um processo colaborativo que envolva todos os agentes educacionais, incluindo professores, estudantes e, quando possível, a comunidade. Essa abordagem promove um ambiente de trabalho em equipe, onde os professores podem discutir e alinhar objetivos educacionais, conteúdos e metodologias, garantindo que os diferentes componentes do currículo se complementem.
Com isso, os estudantes são diretamente beneficiados pelo planejamento colaborativo, pois a articulação entre os docentes e outros agentes proporciona uma aprendizagem mais contextualizada e prática. Quando os professores trabalham juntos para planejar suas aulas, os alunos conseguem ver a interconexão entre os diferentes campos do conhecimento, o que facilita a compreensão e a aplicação do que é aprendido.
FLEXIBILIDADE E AUTONOMIA
A integração curricular somente é possível a partir da flexibilização curricular e da gradativa superação da estrutura clássica disciplinar para a promoção da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade. Essa flexibilidade motiva os educadores a repensarem as suas práticas pedagógicas, os objetivos de suas aulas, e consequentemente o currículo, levando a uma concreta integração entre os conhecimentos básicos e técnicos. Reconhecendo assim a necessária autonomia docente e discente.
“Ambos, professores e estudantes, são os sujeitos da prática pedagógica. Se a função principal do educador é mediar a relação entre cultura elaborada e o educando, dando direção à aprendizagem, este exercício só terá possibilidades de produzir a autonomia discente e o reconhecimento da realidade social se orientada por um projeto político-pedagógico de transformação da realidade.”