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Quando falamos sobre formação integral na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), nos referimos a uma abordagem educacional que visa desenvolver o indivíduo de forma omnilateral, ou seja, voltada para a formação do sujeito em seu sentido mais amplo. Falamos de uma formação que não se limita apenas à preparação técnica para o mundo do trabalho, mas abrange também aspectos culturais, sociais, políticos e científicos, fundamentando-se no trabalho como princípio educativo, na pesquisa como princípio pedagógico e na indissociabilidade entre teoria e prática para uma formação crítica e emancipatória.
DESENVOLVIMENTO OMNILATERAL
Partimos do princípio de que o ser humano é um sujeito histórico e social, reconhecido como produto e produtor do meio em que está inserido e, como consequência, olhamos para o trabalho em seu contexto ontológico e histórico, como princípio educativo. Esta abordagem busca romper com a dicotomia entre trabalho manual e intelectual, integrando conhecimentos teóricos e práticos. O objetivo é garantir o desenvolvimento pleno dos indivíduos, abrangendo os aspectos científicos, culturais e políticos, para alcançar uma formação omnilateral. Uma educação omnilateral visa formar o ser humano em sua integralidade física, mental, cultural, política e científico-tecnológica (Ciavatta, 2014).
“a omnilateralidade leva à humanização do homem para além dos muros da instituição educacional, ou seja, vislumbra uma visão de construção de uma sociedade sem exploração, que supera a dicotomia entre trabalho manual e intelectual, o individualismo e a competitividade presentes na sociedade capitalista”
Neves e Andrade, 2019, p. 211
O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO
O trabalho como princípio educativo é um pilar fundamental da formação integral. Baseado no materialismo histórico-dialético, o trabalho é visto como uma categoria fundante do processo educativo e da constituição do ser histórico. Não é apenas uma atividade econômica, mas uma prática que contribui para a construção do conhecimento e para o desenvolvimento integral do ser humano, integrando teoria e prática. Nessa abordagem, partimos do entendimento de que todas as formas de educação são, essencialmente, educação para o trabalho, possuindo dimensões teóricas e práticas inseparáveis (Kuenzer, 1988). O trabalho permite ao ser humano produzir e apropriar-se de sua realidade, possibilitando a transformação social (Ramos, 2014). Essa é uma visão baseada em Marx, que destaca o trabalho como um ato fundamental entre o homem e a natureza, configurando-se como um referencial ontológico da práxis social.
“se toda forma de ação do homem sobre a natureza para transformá-la é trabalho, então todas as formas de educação se constituem em educação para o trabalho, e têm, ao mesmo tempo, uma dimensão teórica e uma dimensão prática”
A PESQUISA COMO PRINCÍPIO PEDAGÓGICO
Considerar a pesquisa como princípio pedagógico implica dizer que o processo formativo deve fomentar a curiosidade, a investigação e a capacidade de formular e resolver problemas de maneira autônoma e crítica. Isso transforma os estudantes de receptores passivos de conhecimento em agentes ativos na construção do saber, desenvolvendo habilidades essenciais para uma compreensão profunda e crítica da realidade e da sociedade em que vivem. A pesquisa promove a inquietude e o desejo de descoberta, sendo fundamental para a construção de uma consciência crítica. A pesquisa como princípio pedagógico articula todo o conhecimento gerado pela humanidade, permitindo que os estudantes desenvolvam competências essenciais para uma compreensão mais ampla e reflexiva do mundo (Moraes e Küller, 2016).
“É fundamental que os estudantes e os trabalhadores possam, de modo autônomo, formular problemas para uma investigação individual e coletiva e buscar respostas para esses problemas, como forma de dominarem mecanismos de (re)construção de conhecimentos”
INTEGRAÇÃO ENTRE CIÊNCIA, CULTURA E TECNOLOGIA
Outro pilar importante da formação integral no contexto da EPT está na integração dos elementos científicos, culturais e tecnológicos. Essa integração é essencial para superar a divisão entre teoria e prática, visando a uma educação que busca formar cidadãos completos e capazes de compreender e intervir no mundo de maneira crítica e emancipatória. Na sociedade contemporânea, a ciência e a técnica se entrelaçam e se complexificam, tornando-se cada vez mais interdependentes (Kuenzer, 1989). Isso significa que as atividades produtivas modernas exigem uma nova concepção da história e da sociedade, onde ciência, tecnologia e cultura não podem ser vistas de maneira isolada, mas como partes de um todo integrado.
Portanto, a formação integral não pode ser alcançada apenas através do trabalho autodeterminado, autônomo e livre, mas também pela integração de elementos culturais como arte, poesia, pintura, literatura e música. Esses elementos são fundamentais para a humanização do ser social, pois permitem a expressão plena da subjetividade e a vivência da liberdade em seu sentido mais profundo.
“À medida que, na sociedade contemporânea, a ciência se faz técnica e esta se complexifica, ou, as atividades se fazem complexas e a teoria se faz operativa, trabalho e ciência, antes dissociados, voltam a formar uma nova unidade através da mediação do processo produtivo, exigindo uma nova concepção da história e da sociedade que unifique ciência, técnica e cultura”
Kuenzer, 1989, p. 23
“Se o trabalho se torna autodeterminado, autônomo e livre, e por isso dotado de sentido, será também (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do uso autônomo do tempo livre e da liberdade que o ser social poderá se humanizar e se emancipar em seu sentido mais profundo”
Antunes, 2009, p. 143
O CURRÍCULO INTEGRADO
Na busca pela formação integral, todos estes princípios precisam estar refletidos nos documentos que orientam os processos formativos. O currículo na EPT é visto como um campo de disputa onde diferentes interesses pedagógicos e políticos se confrontam. Pensar este currículo para uma formação integral, é pensar um currículo que incorpore a interdisciplinaridade, a contextualização e a problematização dos conteúdos, promovendo e incentivando o pensamento crítico e o desenvolvimento da autonomia e das mais diversas formas de ser, estar e compreender o mundo. Essa abordagem é fundamental para a formação de cidadãos críticos e emancipados, capazes de atuar na transformação social.
“a elaboração e o desenvolvimento do currículo não são atividades neutras, como não são neutros os conteúdos escolares. Daí a necessária visão de historicidade, a compreensão dos conteúdos em sua dimensão crítico social”
Saviani , 2010, p. 57
Neste contexto, o currículo integrado no Ensino Médio Integrado à EPT se insere como um elemento central para a concretização da formação integral dos estudantes. Ele busca superar a dicotomia entre o ensino básico e o ensino técnico, promovendo uma educação que abrange todas as dimensões do desenvolvimento humano.
“O currículo integrado organiza o conhecimento e desenvolve o processo de ensino-aprendizagem de forma que os conceitos sejam apreendidos como sistema de relações de uma totalidade concreta que se pretende explicar/compreender”
Trata-se de preparar os estudantes para que sejam autônomos, críticos e capazes de enfrentar os desafios da sociedade atual intervindo na realidade. Isso implica em uma educação que não só prepara para o emprego, mas também para a vida, promovendo e incentivando a cidadania ativa e a participação social.
“a emancipação humana se faz na totalidade das relações sociais onde a vida é produzida”
“educar a todos ou a uma minoria, supostamente, mais apta ao conhecimento? A uns e a outros que tipo de educação deve ser dada de modo a atender às necessidades da sociedade?”
Como você visualiza estes conceitos refletidos em sua prática docente?